quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Reflexões: Rede e Arte

Rede é uma palavra com infinidades de significados, o que aumenta ainda mais quando pensamos nas apropriações metafóricas das quais é alvo. No entanto, há algo em comum que uni tantas atribuições a este simples vocábulo de duas sílabas, quatro letras, duas consoantes e duas vogais, a idéia que carrega de conexão.
A rede, enquanto acontecimento e não palavra, tem origem muito antes de qualquer existência, sendo estabelecida no momento em que surgiu o primeiro átomo no universo, onde elétrons, prótons e nêutrons se conectam numa rede de forças e cargas. Claro que pode ter havido outras estruturas enredadas antes do átomo, mas o que se quer aqui é dar a entender que a idéia de rede enquanto estabelecimento de conexões está no fundamento da origem.
Assim como na gênese, a rede parece se fazer presente por todo o percurso da existência. O universo tende à rede. Essa conclusão pode ser tirada na medida em que todo o espaço sideral parece estar conectado numa rede energética que configura as movimentações, localizações e organização de todos os corpos celestes, o átomo se configura numa pequena estrutura em que elementos ainda menores se relacionam num jogo de forças e cargas, na natureza os seres convivem em diferentes redes, na maioria das vezes, necessárias a auto-sustentação da mesma, os homens cada vez mais estabelecem novas e diferenciadas formas de redes, e outros infinitos casos podem justificar esta afirmação.
Dando enfoque às redes estabelecidas pelo Homem, pode-se dizer que a primeira aconteceu quando dois indivíduos entraram em contato, dai para frente, seguindo a tendência de toda a existência, esta rede foi aumentando, se diversificando e se complexificando. O barato do Homem é que ele, percebendo esta sua potencialidade e necessidade, por ser um ser social, caminhou no sentido de expandir suas conexões, criando novas redes e ampliando-as pelo mundo, desenvolvendo tecnologias que tornaram este processo cada vez mais intenso, abrangente e interativo.
Diferentemente das tramas de um tecido, de uma tarrafa, da teia de uma aranha, de um bordado e até mesmo das estabelecidas em um átomo, o desenho das redes humanas não se dá para estruturar num esquema inteligível em sua totalidade, o que fica mais inatingível na medida em que este desenho está em contínua expansão e transformação, emaranhando ainda mais os fios e conexões. Todavia, é possível fazer recortes, claro que dentro de um foco de análise, que viabilizem o estudo e entendimento das redes.
Apesar de ser surpreendente a magnitude que alcançou a estrutura das redes humanas, possibilitando até mesmo uma interação mundial, da qual quase nenhum ser humano escapa, cabe ressaltar que as relações de poder dentro delas são desiguais, havendo poucas dessas redes, muitas vezes sem força suficiente, que combatem a esta desigualdade ou propõe opções alternativas de se estabelecer conexões.
Quando aqui se fala em redes humanas, está se fazendo referência às relações sociais, culturais, históricas, econômicas, científicas, artísticas, internacionais, regionais, familiares e mil outras que podem existir, mas também das tecnologias como o jornal, revistas, televisão, telefone, internet e outras mais. Vale ressaltar que todas estas redes estão interligas e se transpassam, constituindo um todo de redes humanas.
Este todo de redes humanas poderia ser um espaço democrático e igualitário, no entanto ideologias dominantes acabam por se aproveitar da complexidade das redes, por melhor conhecê-las e, muitas vezes, por detê-las, configurando um sistema que se infiltra por elas como algo natural, contra o qual na se pode lutar. No que se refere a tecnologias, a internet é uma das poucas, se não a única, que apesar de ter sido criada para a guerra, abre as portas para o estabelecimento de redes diversas, dificultando bastante a imposição de uma ideologia predominante.
Meios de comunicação como o jornal, a televisão, o rádio e outros estabelecem conexões, ou seja, redes, mas estas se configuram pela centralidade de informação e ação nos meios, deixando os espectadores, leitores e/ou ouvintes, em grande parte das vezes, como atores passivos desta relação, que se configura num fértil terreno para as ideologias dominantes. Já a internet é um espaço aberto, pelo menos ainda (exceto em alguns países), que permite a qualquer um lançar suas idéias, informações, imagens ou qualquer dado numa rede de alcance mundial, claro que, dependendo do conteúdo, com suas devidas conseqüências.
Pensado no âmbito das Artes Visuais, a rede não é uma coisa da contemporaneidade, afinal grandes artistas da antiguidade, da idade média e do renascimento contaram com uma rede de aprendizes para executar seus trabalhos, artistas trocaram cartas entre si falando, principalmente, sobre suas produções, movimentos de vanguarda modernistas criaram redes mundiais e muitas outras formas de conexões foram estabelecidas.  Claramente, com a abertura criada pela arte contemporânea e com as possibilidades tecnológicas da atualidade, trabalhos de arte florescem no âmbito do estabelecimento de redes, sendo este um campo que precisa ainda ser muito explorado pelos artistas, principalmente, pelo sua expansão motivada pelos meios de comunicação, com destaque para a internet.
No entanto, apesar da internet ser um meio muito interessante de se manusear para a produção de trabalhos em e com rede, é muito importante que seja vista pelos artistas como uma maneira de se intensificar e ampliar uma forma já existente de rede, os coletivos. A vida tem se tornado muito corrida nos tempos atuais, fazendo com que as pessoas tenham menos tempo para estarem juntas, trocarem idéias, e isso também afeta a classe artística, que cada vez mais trabalha individualmente.
O trabalho coletivo permite troca, discussão, debate, gerando resultados muito satisfatórios, mas o que se destaca nele é sua potencialização do poder de resistência, que pode ou não ser aproveitado. A arte também pode ser um espaço como a internet, mas ainda há muitas ideologias dominantes que a cercam, afinal a centralidade das informações e ações é uma realidade nesse campo, propiciando essa predominância. 
Desta forma, se faz necessário que artistas não se limitem a fazer trabalhos em rede, mas façam da arte um meio-rede, onde estejam em pleno contato, trocando por meio de suas conexões e abrindo também espaços para os outros atores pertencentes a seu meio (público, arte-educadores, museus, galerias, etc) sem que ninguém prevaleça sobre ninguém, mas que todos possam colaborar e todos estejam abertos a diferenças de concepções. Tudo isso pode parecer utópico, mas é uma forma de resistir ao estabelecido e ir em busca de novas possibilidades, sendo a internet uma grande aliada.


Fabricio Gabriel

Tramas da Rede



            É incrível como Virgínia Kastrup coloca a rede no livro “Tramas da Rede”, editora Sulina, Porto Alegre, 2010.  Em seu artigo “A rede: uma figura empírica da ontologia do presente” coloca que o conceito de rede é oriundo da topologia, focalizando suas propriedades mais simples.
            O que aparece na rede é o nó.  Não importam suas dimensões.  Podemos aumentá-la ou diminuí-la que suas características se mantêm.  Ela não é definida por sua forma, por seus limites extremos, mas por suas conexões, seus pontos de convergência e de bifurcação.  Ela deve ser entendida por uma lógica das conexões.  Como um todo aberto, com capacidade de crescimento através de seus nós, para todos os lados e direções.
            A rede, como figura topológica, tem forma vazada, composta de linhas e não de formas espaciais.  O domínio da linha sobre a forma e a lógica das conexões, evoca o conceito de rizoma, criado por G. Deleuze e F. Guattari.
            A autora nos mostra seis princípios de funcionamento do rizoma.
            O primeiro é o “princípio de conexão”: qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo.  Um sistema diferente do modelo da árvore, que estamos acostumados, onde existe um centro fixo, a partir do qual todas as ramificações se realizam.  No rizoma, o sistema é acentrado e faz conexões sem obedecer a uma ordem hierárquica ou de filiação.  Conecta-se por contato, contágio mútuo ou aliança, crescendo em todos os lados e direções.  Os agenciamentos imprimem novas direções e conexões futuras.  Não funciona por causa e efeito. 
            Neste princípio somos direcionados àquilo que nos motiva, com diversas possibilidades e fluxos. Novas conexões podem ser criadas dos mais variados pontos.
            O segundo é o “princípio de heterogeneidade”, que revela que o rizoma não é de natureza linguística.  A linguagem é uma das linhas que o compõe, conectando-se com cadeias materiais, biológicas, políticas e econômicas heterogêneas, irredutíveis a ela.  Acredito que este princípio mostre sua  variedade de alcance.
            O terceiro é o “princípio de multiplicidade”.  Mostra que o rizoma não é uma totalidade unificada.  Ele é pré-subjetivo e pré-objetivo, isto é, composto de singularidades pré-individuais que, dotadas de velocidade, estabelecem entre si conexões, agenciamentos, relações recíprocas, formando as linhas do rizoma.  É um princípio de diferença interna, de autocriação.  Por meio deste princípio Deleuze e Guattari podem afirmar que o campo das existências atuais – sujeito, objeto, etc. – resta imerso, desde sempre e para sempre, num campo movente de singularidades pré-individuais, que assegura sua situação no devir. 
            O rizoma como multiplicidade é condição de toda efetividade e atualização dos agenciamentos.
            O quarto é o “princípio da ruptura a-significante”, que responde pela tensão permanente entre o movimento de criação de formas e organizações, e de fuga e desmanchamento destas mesmas formas.  As formas passam a ter um caráter irremediavelmente contingente e temporário, podendo sempre ser rompidas.
            A forma surge como uma linha que se fecha, abolindo temporariamente o movimento criador.  Mas ela sempre pode encontrar uma linha de fuga que a recoloque no devir.
            O quinto é o “princípio da cartografia”.  O pensamento sobre o rizoma é inventivo.  Faz conexões com ele, entra em sua composição e participa de seu movimento criador.  O mapa faz parte do rizoma, é aberto, conectável em todas as suas dimensões, podendo receber modificações constantemente.
            O sexto é o “princípio da decalcomania”.  O decalque é uma figura da representação e corresponde à lógica da árvore, que decalca algo que se dá já feito.  A relação entre o mapa e o decalque é mais complexa. São métodos e encontram apoio nas propriedades do rizoma.  O mapa apreende suas linhas, seus movimentos e tendências.  O decalque capta os impasses, os bloqueios.  Os pontos de estruturação são entendidos como estabilizações temporárias do funcionamento criador do rizoma.  Aí podemos encontrar os decalques.  Pontos de estabilização e neutralidade temporárias.
            O rizoma é um outro domínio e o meio que emergem relações de um jogo de transportes e influências.  É um tipo de “estrutura” na qual os elementos encontram-se reunidos numa simultaneidade não unificável, modificando-se a todo momento.  Há autocriação.
            Percebo que ao utilizarmos o conceito de rizoma de Deleuze e Guattari, apreendemos um mundo que se produz como rede.  Considerando a rede um sistema aberto, os conceitos são então relacionados a circunstâncias.  Devemos estar atentos para não privilegiar nenhum ponto pois todos os dispositivos são válidos e influem para a composição dos territórios.  Desta forma, não estagnamos em uma forma e não produzimos pré-conceitos e discursos autoritários.
            Acredito que a utilidade do decalque é justamente o de ser colocado para vislumbrarmos os agenciamentos.  Colocando-se o decalque em cima do mapa avaliamos os movimentos de expansão e contenção que foram criados, as árvores e as linhas de fuga.
            Considero significativo pensarmos que fazemos parte de diversas redes sociais.  Essa complexa teia de relações que estreitam laços, afetos e aproximam distâncias.  A atuação em rede é um forte instrumento que amplia as potencialidades das ações dos artistas e da arte neste processo anti-barbárie.
Significa trabalhar de forma real, onde as ferramentas principais são: a comunicação, a velocidade e a precisão no fluxo das informações. Visa facilitar e estimular o indivíduo a participar de coletivos de ajuda mútua, a desenvolver atividades em cooperação e em associação. Penso que a rede deve também potencializar as ações de valorização da diversidade cultural.
            Significado de Rizoma: caule rasteiro, na maioria das vezes horizontal e quase sempre subterrâneo, do qual surgem folhas, rebentos laterais e raízes. Normalmente funciona como órgão de armazenamento para permitir a sobrevivência da planta durante um período curto de seca.


Márcia Rotstein

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

“A Filosofia da Rede” e a Arte Conceitual – conexões

            Em seu texto “A Filosofia da Rede”, Pierre Musso traz reflexões que percorrem os inúmeros estágios, possibilidades e usos da palavra e do conceito de rede, atentando para a onipresença e a onipotência da noção de rede em nossos cotidianos. Partindo do período no tempo conhecido como Antiguidade, Musso delineia detalhadamente o lugar do termo “rede” na medicina e na mitologia gregas - estando, então, em uma relação de interioridade - e aponta o momento em que ela “sai” do corpo (na passagem do século XVIII para o XIX) e passa a ser construída pelas relações humanas e artificiais – relação de exterioridade.
            Seguindo pelo caminho traçado por Musso, podemos dar ainda um outro passo e analisar a Arte Conceitual sob a ideia de rede. Estamos em um terreno das artes, claro, mas também, no terreno da filosofia. Conceituar e analisar conceitos são dos papéis filosóficos mais básicos e os artistas que trabalharam com o conceitualismo defendiam firmemente esta atividade, inclusive em detrimento do material e da atividade artísticos. A ideia transmitida ou proporcionada por uma obra de arte era, assim, superior à sua execução e à sua estética.
            A “Rede” pode ser associada aos sistemas biológicos, matemáticos, físicos e, dentre outros, aos sistemas de relações e comunicações naturais ou artificiais. Estes podem ser referenciados, de acordo com a visão do filósofo Claude-Henri de Saint-Simon, analisado pelo autor, como corpos organizados, os quais tem sua vida, seu funcionamento garantido pela circulação de fluidos. Uma rede de informações, por exemplo, só existe a partir da circulação dessas informações no tempo e no espaço, e em interação.
            O mesmo ocorre com o nosso processo de raciocínio e com a nossa construção e apreensão de conhecimentos. Conhecimentos prévios interagem com novos e criam uma rede de informação particular e única em que os elementos estão interconectados, se acessando, e também se mutando, constantemente.
            Considerando a proposta da Arte Conceitual, sua relação com a noção de rede é muito interessante. O observador de uma obra é estimulado a utilizar a sua rede pessoal para entrar em contado com ela. A obra Uma e Três Cadeiras, de Joseph Kosuth, por exemplo, estabelece ligações entre uma cadeira real, sua fotografia e a descrição do conceito “cadeira” presente em um dicionário. Alguém que tenha tido contato com as ideias de Platão sobre formas pode fazer a associação imediata. Uma outra pessoa, que não tenha tido contato com o filósofo, analisará a obra a partir de outros conhecimentos ou experiências que façam parte de sua rede e que sejam acionadas no contato com as cadeiras de Kosuth. Ambas farão ainda outras relações entre esta interação com a arte e outras interações que acontecerão futuramente.
            Outras idéias de Saint-Simon corroboram com as da Arte Conceitual. Ele afirma que “quanto mais um corpo é organizado, mais ele tem ação sobre seu ambiente” e também que “a rede não é apenas um conceito, mas um operador para a ação”. É possível ver a atividade do artista nestas palavras: quanto mais informações acessa em sua rede e quanto mais relações cria, melhor é a produção deste artista, e mais interconexões esta ação pode incitar em outras redes particulares, e a troca entre estas redes é o que constrói a grande trama dos sistemas de arte.
Ana Carolina Baptista Nunes

sábado, 20 de novembro de 2010

Rede e idéias



A palavra rede pode tender para dois lados, o material e o virtual que se assemelham por ambos falarem de conexões. A primeira é a rede "sustenta”, feita de fios entrelaçados, sendo seu principal objetivo, construir uma concha de tecido capaz de sustentar um corpo. A segunda é virtual, cujo objetivo é chegar a algum lugar, depois outro e outro, num grande percurso de ida e vinda que se estabelece a partir da velocidade de conexão do computador utilizado.
A internet, fruto desse conjunto de vias de comunicação, é um importante veículo capaz de divulgar notícias, idéias, imagens, tudo que pode ser visto via web de qualquer lugar para qualquer lugar, atribuindo a grande massa o papel de construir esse grande efeito. O clique admite ao seu sujeito o “poder” de informar e de alimentar o banco de dados da rede, estabelecendo conexões cada vez mais frequentes e diversas.
Quando uma notícia é publicada na internet o objetivo de atingir o maior número de pessoas a acompanha, podendo diversificar conceitos e opiniões sobre assuntos diversos. Com isso amplia-se um cardápio de linhas de informações, capaz de contrariar os formatos de notícias "distribuidas"  pela televisão.
A televisão assim como a internet é uma propagadora de informações, mas seu padrão de notícias é estabelecido pela emissora, ou seja, só é transmitido o que convém aos seus organizadores, o que não se enquadra fica de fora. Diferente da internet que permite que todos transmitam qualquer coisa para o mundo, abrindo um acesso até então de uma mão, realizando um ato ''libertário'' das idéias e dos pensamentos  do público em geral.                                                                                                                                  

Monique  Moraes