Em seu texto “A Filosofia da Rede”, Pierre Musso traz reflexões que percorrem os inúmeros estágios, possibilidades e usos da palavra e do conceito de rede, atentando para a onipresença e a onipotência da noção de rede em nossos cotidianos. Partindo do período no tempo conhecido como Antiguidade, Musso delineia detalhadamente o lugar do termo “rede” na medicina e na mitologia gregas - estando, então, em uma relação de interioridade - e aponta o momento em que ela “sai” do corpo (na passagem do século XVIII para o XIX) e passa a ser construída pelas relações humanas e artificiais – relação de exterioridade.
Seguindo pelo caminho traçado por Musso, podemos dar ainda um outro passo e analisar a Arte Conceitual sob a ideia de rede. Estamos em um terreno das artes, claro, mas também, no terreno da filosofia. Conceituar e analisar conceitos são dos papéis filosóficos mais básicos e os artistas que trabalharam com o conceitualismo defendiam firmemente esta atividade, inclusive em detrimento do material e da atividade artísticos. A ideia transmitida ou proporcionada por uma obra de arte era, assim, superior à sua execução e à sua estética.
A “Rede” pode ser associada aos sistemas biológicos, matemáticos, físicos e, dentre outros, aos sistemas de relações e comunicações naturais ou artificiais. Estes podem ser referenciados, de acordo com a visão do filósofo Claude-Henri de Saint-Simon, analisado pelo autor, como corpos organizados, os quais tem sua vida, seu funcionamento garantido pela circulação de fluidos. Uma rede de informações, por exemplo, só existe a partir da circulação dessas informações no tempo e no espaço, e em interação.
O mesmo ocorre com o nosso processo de raciocínio e com a nossa construção e apreensão de conhecimentos. Conhecimentos prévios interagem com novos e criam uma rede de informação particular e única em que os elementos estão interconectados, se acessando, e também se mutando, constantemente.
Considerando a proposta da Arte Conceitual, sua relação com a noção de rede é muito interessante. O observador de uma obra é estimulado a utilizar a sua rede pessoal para entrar em contado com ela. A obra Uma e Três Cadeiras, de Joseph Kosuth, por exemplo, estabelece ligações entre uma cadeira real, sua fotografia e a descrição do conceito “cadeira” presente em um dicionário. Alguém que tenha tido contato com as ideias de Platão sobre formas pode fazer a associação imediata. Uma outra pessoa, que não tenha tido contato com o filósofo, analisará a obra a partir de outros conhecimentos ou experiências que façam parte de sua rede e que sejam acionadas no contato com as cadeiras de Kosuth. Ambas farão ainda outras relações entre esta interação com a arte e outras interações que acontecerão futuramente.
Outras idéias de Saint-Simon corroboram com as da Arte Conceitual. Ele afirma que “quanto mais um corpo é organizado, mais ele tem ação sobre seu ambiente” e também que “a rede não é apenas um conceito, mas um operador para a ação”. É possível ver a atividade do artista nestas palavras: quanto mais informações acessa em sua rede e quanto mais relações cria, melhor é a produção deste artista, e mais interconexões esta ação pode incitar em outras redes particulares, e a troca entre estas redes é o que constrói a grande trama dos sistemas de arte.
Ana Carolina Baptista Nunes
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