É incrível como Virgínia Kastrup coloca a rede no livro “Tramas da Rede”, editora Sulina, Porto Alegre, 2010. Em seu artigo “A rede: uma figura empírica da ontologia do presente” coloca que o conceito de rede é oriundo da topologia, focalizando suas propriedades mais simples.
O que aparece na rede é o nó. Não importam suas dimensões. Podemos aumentá-la ou diminuí-la que suas características se mantêm. Ela não é definida por sua forma, por seus limites extremos, mas por suas conexões, seus pontos de convergência e de bifurcação. Ela deve ser entendida por uma lógica das conexões. Como um todo aberto, com capacidade de crescimento através de seus nós, para todos os lados e direções.
A rede, como figura topológica, tem forma vazada, composta de linhas e não de formas espaciais. O domínio da linha sobre a forma e a lógica das conexões, evoca o conceito de rizoma, criado por G. Deleuze e F. Guattari.
A autora nos mostra seis princípios de funcionamento do rizoma.
O primeiro é o “princípio de conexão”: qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo. Um sistema diferente do modelo da árvore, que estamos acostumados, onde existe um centro fixo, a partir do qual todas as ramificações se realizam. No rizoma, o sistema é acentrado e faz conexões sem obedecer a uma ordem hierárquica ou de filiação. Conecta-se por contato, contágio mútuo ou aliança, crescendo em todos os lados e direções. Os agenciamentos imprimem novas direções e conexões futuras. Não funciona por causa e efeito.
Neste princípio somos direcionados àquilo que nos motiva, com diversas possibilidades e fluxos. Novas conexões podem ser criadas dos mais variados pontos.
O segundo é o “princípio de heterogeneidade”, que revela que o rizoma não é de natureza linguística. A linguagem é uma das linhas que o compõe, conectando-se com cadeias materiais, biológicas, políticas e econômicas heterogêneas, irredutíveis a ela. Acredito que este princípio mostre sua variedade de alcance.
O terceiro é o “princípio de multiplicidade”. Mostra que o rizoma não é uma totalidade unificada. Ele é pré-subjetivo e pré-objetivo, isto é, composto de singularidades pré-individuais que, dotadas de velocidade, estabelecem entre si conexões, agenciamentos, relações recíprocas, formando as linhas do rizoma. É um princípio de diferença interna, de autocriação. Por meio deste princípio Deleuze e Guattari podem afirmar que o campo das existências atuais – sujeito, objeto, etc. – resta imerso, desde sempre e para sempre, num campo movente de singularidades pré-individuais, que assegura sua situação no devir.
O rizoma como multiplicidade é condição de toda efetividade e atualização dos agenciamentos.
O quarto é o “princípio da ruptura a-significante”, que responde pela tensão permanente entre o movimento de criação de formas e organizações, e de fuga e desmanchamento destas mesmas formas. As formas passam a ter um caráter irremediavelmente contingente e temporário, podendo sempre ser rompidas.
A forma surge como uma linha que se fecha, abolindo temporariamente o movimento criador. Mas ela sempre pode encontrar uma linha de fuga que a recoloque no devir.
O quinto é o “princípio da cartografia”. O pensamento sobre o rizoma é inventivo. Faz conexões com ele, entra em sua composição e participa de seu movimento criador. O mapa faz parte do rizoma, é aberto, conectável em todas as suas dimensões, podendo receber modificações constantemente.
O sexto é o “princípio da decalcomania”. O decalque é uma figura da representação e corresponde à lógica da árvore, que decalca algo que se dá já feito. A relação entre o mapa e o decalque é mais complexa. São métodos e encontram apoio nas propriedades do rizoma. O mapa apreende suas linhas, seus movimentos e tendências. O decalque capta os impasses, os bloqueios. Os pontos de estruturação são entendidos como estabilizações temporárias do funcionamento criador do rizoma. Aí podemos encontrar os decalques. Pontos de estabilização e neutralidade temporárias.
O rizoma é um outro domínio e o meio que emergem relações de um jogo de transportes e influências. É um tipo de “estrutura” na qual os elementos encontram-se reunidos numa simultaneidade não unificável, modificando-se a todo momento. Há autocriação.
Percebo que ao utilizarmos o conceito de rizoma de Deleuze e Guattari, apreendemos um mundo que se produz como rede. Considerando a rede um sistema aberto, os conceitos são então relacionados a circunstâncias. Devemos estar atentos para não privilegiar nenhum ponto pois todos os dispositivos são válidos e influem para a composição dos territórios. Desta forma, não estagnamos em uma forma e não produzimos pré-conceitos e discursos autoritários.
Acredito que a utilidade do decalque é justamente o de ser colocado para vislumbrarmos os agenciamentos. Colocando-se o decalque em cima do mapa avaliamos os movimentos de expansão e contenção que foram criados, as árvores e as linhas de fuga.
Considero significativo pensarmos que fazemos parte de diversas redes sociais. Essa complexa teia de relações que estreitam laços, afetos e aproximam distâncias. A atuação em rede é um forte instrumento que amplia as potencialidades das ações dos artistas e da arte neste processo anti-barbárie.
Significa trabalhar de forma real, onde as ferramentas principais são: a comunicação, a velocidade e a precisão no fluxo das informações. Visa facilitar e estimular o indivíduo a participar de coletivos de ajuda mútua, a desenvolver atividades em cooperação e em associação. Penso que a rede deve também potencializar as ações de valorização da diversidade cultural.
Significado de Rizoma: caule rasteiro, na maioria das vezes horizontal e quase sempre subterrâneo, do qual surgem folhas, rebentos laterais e raízes. Normalmente funciona como órgão de armazenamento para permitir a sobrevivência da planta durante um período curto de seca.
Márcia Rotstein

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